quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Historicamente a relação entre homem e mulher tem sido um inferno

Historicamente a relação entre homem e mulher tem sido um inferno.

Homem não perde tempo tentando entender mulher. Ele quer conquistar o mundo (seja o mundo que for, qualquer coisinha pequena, qualquer negócio de esquina). Já a mulher quer usar o mundo do homem para criar uma família.

Ela não tem interesse no mundo homem e conclui: tenho que controlar essa fera para apaziguá-la e ter sua importante presença para defender meu clã. Só isso.
Tudo simples. Muito simples. Das auroras dos tempos. Primata e primordial.

Ou como dizia o Churchill: os homens controlam o mundo e as mulheres controlam os homens.
É isso...

Todo homem, no fundo, é um nerd. Todo homem gosta de ficar em seus joguinhos pessoais/profissionais, caçando dinheiro e sustento para si e quem estiver perto para, nas horas vagas, ficar falando bobagens com outros amigos caçadores em torno da fogueira televisiva que exibe futebol aos domingos. Enquanto isso, as mulheres cuidam da vida real: o que comem, onde moram, como vivem.

E todo homem, como todo nerd, sofre com mulher. Tem mulher que ainda não sabe disso. O desentedimento delas sobre o mundo masculino é tanto que elas nem sabem que o homem sofre por elas. Mas sofrem. E sofrem tanto, são tão confusos, que nem falam disso. Não gostam nem de pensar. Mas o fato é que é um inferno para o homem tentar entender a mulher.

O únicos homens que não são nerds são veados. Alguns até comem mulheres e não dão a bunda. Mas são veados. Pois apenas um veado pode realmente entender a complexidade feminina. E, mesmo entre os veados, há alguns nerds autênticos. Com a vantagem de que eles não sofrem tanto com as mulheres.

O homem é um nerd pois é, antes de tudo, um puro!
Um simples.

O homem é simples.
A mulher é complexa

O homem é cinema clássico, filme do John Ford, personagem do John Wayne.
A mulher cinema moderno, ambigüidade.
Antonioni, por exemplo. É o exemplo tipico de um cineasta veadinho.

O máximo da complexidade que um homem imagina é fazer impecheament num presidente. Algo super simples. E público.

O homem só usa seu cérebro para uma verdadeira destruição!
Mesmo quando é mafioso e mata alguém, mesmo quando é um Rasputim e faz planos para dar um golpe, o homem sempre faz planos para causas públicas e sempre caça em seu grupo político ou mafioso.
Já a mulher é uma politica solitária, voltada para a vida cotidiana, para pequenos jogos entre ela e seu homem. Jogos que o homem, imerso em sua esfera pública, nem percebe.

Quando o homem quer usar seu cérebro para conquistar uma mulher, ela logo percebe tudo. Ela vê seus movimentos, entende tudo, sabe que ele está jogando, tentando conquistá-la. Ela pode até ceder ao homem, mas é porque já estava afim do cara e achou bonitinho seu esforço. Mas ela nunca é enganada por ele. Nunca cai no jogo.

Pois a mulher é muito mais complexa nos jogos da corte, consegue bolar cenas que conquistem o cara sem ele perceber que ela planejou tudo. Nenhum homem jamais conseguirá fazer isso.
Homem gosta de luz em relacionamento. Mulher gosta de sombras e meios tons. Pois sombra é mais complexo. Luz é muito simples.

Homem pode ferrar outro, mas é sempre algo transitório. Homem deixa a coisa rolar, aceita que tudo muda, volta atrás, esquece fácil.
Mulher sempre procura algo eterno.
Homem pode até querer estabilidade financeira. Mas só.
Mulher procura a estabilidade total. Quer o ambiente ideal para criar a cria.
Ela é menos ambiciosa, não precisa de muito. Mas precisa de calma e estabilidade.

Já o homem é imediato. Não quer coisas eternas, vive o instante mais forte. No fundo é sempre o básico: o homem caça e a mulher planta.

O homem caça hoje para comer hoje mesmo. A mulher planta hoje para colher em um ano. 
O homem come a mulher pensando que a trepada é boa. 
A mulher come o homem analisando se ele pode ser um bom pai para seus filhos.

É claro que há exceções. Mas exceção é algo tipicamente feminino. 
Mulheres devem ficar bravas ao ler a frase acima e vão ficar dizendo que elas trepam também apenas por prazer, sem nenhum expectativa de futuro.. Então tá..

Pode até ser. È impossível entrar no cérebro de cada mulher e analisar. É provável que em noites especiais algumas delas, moradoras de grandes cidades, trepem apenas por prazer. Mas o homem sempre faz isso. De 100 trepadas masculinas apenas 1 é pensando em casar. E é justamente nessa que ele brocha. Mulher é o inverso. A cada 100 trepadas uma ela não pensa em casar. Por isso elas trepam muito menos. 

Até homem feio e nerd já comeu muita mulher. Nem se for puta. Homem só não come mulher se não tiver grana. O unico problema sexual masculino é a ausência de dinheiro. Já mulher, não. A grande maioria das mulheres continua trepando pouco. Mesmo com a modernidade acontecendo isso é um dado real. Elas continuam trepando pouco. Há mulheres lindas e ricas que trepam pouco. Não existe um homem lindo e rico que trepe pouco. Não existe um homem rico e feio que trepe pouco. Ou seja, negar a tendência é bobagem. Pensar em exceção não é vantajoso.

Mas mulher, como já foi dito, adora uma exceção. Pois exceção é algo tipicamente feminino. A exceção prova que o mundo não é tão simples quanto os homens acreditam que é. A mulher, como já disse, gosta do complexo. O homem, gosta do simples.
O homem pensa na média e vai pegar o peixe onde costuma ter mais peixe.
Mulher quer pensar na exceção. Pois não quer pegar qualquer peixe. Quer pegar O PEIXE. O PEIXE IDEAL.

Mulher escolhe o homem para casar.
Já o homem não casa com alguém em específico.  Casa em uma época.
Homem tem sempre uma época que cansa de caçar mulher e ser solteirão. Ele quer ter alguém em casa. Aí ele casa com a que estiver namorando na época. Se não estiver namorando, namora e casa em poucos meses (aí é mesmo trágico, ele pega sempre o fim da panela).
Ele, na verdade, nunca pensou tanto em mulher. Por isso, foi sempre dominado por alguma delas.

A única forma resistência masculina à dominação feminina é dar o fora na mulher. Só isso. Ele perde a luta no dia a dia, é dominado pela mulher por anos e anos a fio. Mas, de repente, se cansa e sai fora. Abandona a casa, os filhos, o que precisar. Ele não aguenta mais.
Por isso é chamado de canalha.

Esquecem seus anos de sofrimento e registram apenas seu momento de transgressão final.

Mas, no dia a dia, o homem aceita o inferno na terra, em trocas de algumas intimidades pessoais e alguma companhia humana. Solidão é bravo, mermão. Nem homem aguenta. E mulher, é indiscutível, arruma bem a casa. Não há ser humano - homem ou mulher - que não goste de uma casa arrumada e comidinha quente na mesa.
Homem não quer arrumar, mas adora casa arrumada.


Mas tudo isso está mesmo mudando. Aos poucos começa a surgir uma geração de mulheres que estão ficando de saco cheio de ficar dominando homens a vida toda, para depois tomarem um fora, serem abandonadas subitamente e passar o resto da vida reclamando da suposta maldade masculina.
Começa a surgir mulheres que também querem luz no relacionamento.
E começa a surgir homens que admitem que não dá mais para ser nerd para sempre. Que não dá para ser vítima por anos, para estourar um dia e virar vilão. Que tem que parar com esse papo de vítima e vilão. Começam a surgir homens que admitem que realmente é gostoso viver casado, que a energia feminina é importante em suas vidas, que querem ter relações realmente sinceras e estáveis. E que para isso, é importante entender a complexidade feminina. Como já foi dito, os únicos homens que não são nerds são veados. É fato. Chegou então a hora de todo homem se esforçar para ser um pouco veadinho. Mas calma, não precisa dar a bunda. Ser veado é muito mais que isso. É uma cultura. Todo homem de hoje precisa ser um pouco veado, precisa pensar coisa de mulher, entender um pouco esse universo.

Esecrevi esse texto para quem é desse tipo de gente que cansou de confusão e quer estabelecer diálogo.
Mas não é para ser bonzinho e/ou politicamente correto. Se queremos começar uma nova era no relacionamento é necessário admitir nossos fracassos mútuos. É necessário parar com o papo de que a mulher é vitima e o homem vilão. Ou vice-versa
É necessário começar de novo e jogar limpo.

domingo, 28 de outubro de 2012

9mm


9mm
9mm: São Paulo” enfoca a vida pessoal e profissional de um grupo de cinco policiais do departamento de homicídios. A ideia é mostrar o que estes policiais costumam evitar como cair em discursos moralistas e também as dificuldades de trabalhar em uma das maiores cidades do mundo.
Direção: Michael Ruman
Roteiro e Criação: Roberto d'Avilla, Newton Cannito, Carlos Amorim
Protagonistas: Norival Rizzo, Luciano Quirino, Clarissa Kiste, Marcos Cesana, Nicolas Trevijano
Produção: Fox, Moonshot Pictures
Produtor: Roberto d'Avilla


Gênero policial: do procedimento ao drama


Desde o início o objetivo em “9mm” era fazer uma série policial, partindo da Delegacia de Homicídios, o DHPP. Da ideia até começar a filmar foram 10 meses de desenvolvimento entre pesquisas e roteirização.
Como gostamos de criar a partir do gênero logo procuramos nossas inspirações entre séries já realizadas. A primeira referência foi óbvia: CSI. Pois essa é a série americana que investiga assassinatos. No entanto, no contato com a realidade brasileira percebemos logo que o CSI nacional seria quase o trash CSI. Aqui tem poucos métodos científicos, os policiais sofrem com falta de recursos e burocracia. Todo o prazer de decifração que o CSI oferece seria perdido. Além disso, não era a série que queríamos realmente fazer.
Logo sacamos que a principal influencia seria The Shield (O Escudo), a série policial americana sobre o cotidiano de uma delegacia, mega realista e até hoje uma de minhas séries preferidas. É uma série sem maniqueísmo, na qual o espectador se identifica emocionalmente com policiais que também são corruptos e entende a complexidade das situações. Sempre tivemos a certeza que era esse o caminho que seguiríamos.
A principal diferença de CSI para The Shield é que CSI é série de Procedimento e “The Shield” é drama. A série de procedimento foca na investigação e no desvendamento do crime, que geralmente já aconteceu antes. The Shield foca na ação dramática imediata dos personagens. Para ficar claro a comparação, “House” é uma série médica de procedimento, pois o House é quase um detetive tentando desvendar o culpado pelo crime. O culpado, no caso de House é a causa da doença. O crime é o sintoma. Já E. R. (Plantão Médico) é uma série de drama. Nós queríamos algo mais drama.
No entanto, havia o compromisso de ter sempre um assassinato no início do episódio e um crime a desvendar no transcorrer dele. Esse era o desafio. Em The Shield é diferente. A série foca no cotidiano de uma delegacia de bairro e isso permite mais variedade de situações, que fazem um painel do bairro e lembram a estrutura da crônica. Percebemos que em “9mm” tínhamos que conciliar todas essas coisas. Ter o plot forte no episódio e ir construindo também os conflitos entre os personagens policiais dentro da delegacia. E ter ainda um pouco de crônica de cotidiano. Era esse o nosso desafio.




Mapa de personagens e cotidiano da delegacia


Fizemos pesquisa e criação junto e aos poucos fomos definindo três caminhos:
a) construir o mapa de personagens com policiais de várias delegacias diferentes
b) Focar nos impedimentos burocráticos e cotidianos para a boa ação policial
c) Tratar de forma ficcional a recriação de casos reais que repercutiram publicamente


A primeira decisão foi fundamental. Queríamos que o principal conflito da série fosse entre os policiais investigadores. Mais do que conflitos entre policiais e os bandidos, o principal conflito que queríamos era dentro da própria equipe. Para ter conflito nada melhor do que ter grande diversidade.
Foi então que decidimos pesquisar a polícia civil como um todo. E depois todo o ambiente de segurança, incluindo polícia militar, promotoria, corregodoria, etc.
Dentro da equipe de nossos cinco protagonistas focamos, é claro, nos vários caminhos dentro da polícia civil. O perfil do policial que vai ao DHPP é diferente de um policial do DEIC ou DENARC. Tem diferenças claras. O DHPP costuma ter menos “acerto” (corrupção). Mas tem mais chance de dar entrevista. Luisa é a personagem que representa o DHPP dentro da série. Ela é ética, gosta das coisas preto no branco e não admite nenhum tipo de contato ou negociação com criminosos. Ela queria viver no CSI. O Denarc (anti-drogas) tem muitos jovens bonitões que circulam pela elite. Um perfil que usamos para o personagem de 3P. O DEIC (focado em roubo de propriedades) tem também muito acerto, mas tem mais o perfil do Tavares, um investigador da periferia, conhecedor do pequeno mundo do crime. Já Horácio foi construído como um personagem da antiga polícia, que atua desde a época da ditadura militar. Ele é o cowboy solitário que quer apagar seu passado de crimes mas não consegue. O arquétipo de Horácio lembra Clint Eastwood em “Os Imperdoáveis”. E Eduardo é o delegado arrivista, preocupado com a mídia e com seus discursos hegemônicos, no caso, os direitos humanos. Com esse mapa de personagens, vários conflitos poderiam surgir.
A criação de uma boa equação dramática é a chave de todo roteiro. Principalmente de todo seriado. É a diversidade de personagens que permitirá o surgimento de bons conflitos.


Na equação dramática tem o mapa de personagens e o ambiente onde se desenvolve o drama. No caso do DHPP o que mais observamos é os inúmeros impedimentos do ambiente para que o trabalho se desenvolva tranquilamente. São milhares de pequenas coisas: o juiz que demora para dar a liminar, a impressora que é matricial e demora para imprimir e depois exige que destaque as bordas do papel, o carro velho que quebra, o celular que é próprio e termina os créditos na hora agá, etc. Até vaquinha para comprar papel higiênico para a delegacia nós vimos acontecer. Logo sacamos que esse material seria ótimo para criar mais impeditivos e mais tensão dramática. Imagine só o Jack Bauer (do seriado “24 horas”) não conseguindo usar o celular pois esta sem crédito? É essa a situação de nossos policiais. Eles tem vontade e urgência em resolver mas tem impedimentos o tempo todo. E mesmo depois que prendem, o bandido pode ser solto por ineficiência da justiça.
Essa situação do policial tocou em nossa alma. Era algo que precisávamos sentir. Todo trabalho de pesquisa tem três momentos: a busca do diferente, a busca do universal e, no meio disso, a busca da emoção comum que você, como criador, tem em relação ao objeto. Nossa identificação veio com a vida do policial oprimido pela burocracia. Como realizadores audiovisuais dependentes do estado todos vivemos uma situação parecida, de criatividade restrita, de trabalho não realizado por impedimentos burocráticos. A situação como sabemos beira ao teatro do absurdo, a situações da qual não temos sequer clareza dos “culpados”, onde dizemos que a culpa é do “sistema” ou do “software”. São quilos e quilos de papel para serem avaliados em sistemas kafkanianos. O imenso esforço exige muita expectativa. A chance mínima de sucesso gera muita frustação. Tal como os policiais, vivemos entre picos de expectativa e picos de frustação. Tal como um policial que consegue finalmente prender um criminoso após meses de trabalho mas o vê sendo solto por um detalhe burocrático. É uma sensação que sentimos e nos deu uma chave de identificação com os dramas dos policiais. Esse identificação emocional com o seu personagem é fundamental. Você tem que pesquisar o personagem até encontrar uma identificação emocional. Mesmo que seu personagem seja um alien, um peixe, um policial corrupto. Você tem que encontrar sua identificação emocional com ele. Caso contrário você o tratará a distancia e, em seguida, o julgará. E julgar não pode. Você tem que amar seus personagens. Mesmo se ele for assassino, pois mesmo o vilão tem que ser amado por seu criador. Ele pode até ser punido pelos seus crimes, mas tem que ser amado pelo criador. Caso contrário a magia da arte não acontece.
É quando você ama seu personagem que você consegue autorização para descer aos seus infernos. É só amando o vilão que você consegue entrar em sua mente e entender suas maiores vilanias. E criar suas maiores vilanias. E justificar suas maiores vilanias, como todo bom vilão sabe fazer. Se o gênero de sua obra for comédia, você deve descer aos infernos de sua loucura e resgatar o personagem para a saúde e alegria. Se o gênero é tragédia você desce com ele e revela “onde isso vai dar”. Descer com ele até a morte final. Sofrer com ele. Usar o sacrifício do personagem para servir de exemplo ao telespectador. Em “9mm” optamos pela tragédia. Ambos, tragédia e comédia, são didáticos. A tragédia, quando bem realizada, faz o público se identificar com a loucura do personagem e depois mostra ao público onde essa loucura vai dar. Dessa forma, a tragédia atua como uma vacina contra a loucura que existe em todos nós. A dramaturgia é uma Laboratório de Experiência Existencial, onde o publico pode viver experiências que não viveu, mas já sonhou viver. É ali, protegido pela ficção, que o público pode matar um criminoso “mau caráter”. E é ali também que o público pode sofrer e aprender que ser um assassino só lhe trará outras tragédias. E é também ali que o público pode treinar alegrias indescritíveis que serão levada para sua vida cotidiana posteriormente. “9mm” não fez concessões e optou mesmo pela tragédia moderna, no sentido que Raymond Willians define a tragédia dos pequenos personagens. Os personagens de “9mm” não tem a potência da “Tropa de Elite”, por exemplo. Eles são apenas pequenos funcionários que sonham em efetivar justiça.
O principio da Tragédia Moderna foi levado ao extremo em “9mm”. Na tragédia clássica, o herói é potente e morre para salvar a comunidade. O final é triste pela morte do protagonista, mas feliz pois redime a comunidade. Na tragédia moderna a coisa é ainda pior. O fim trágico não salva a comunidade e não reimplanta a justiça. É apenas uma revelação do non-sense da vida. Ele diz ao público: se você entrar nessa vai se dar mal e isso não terá nenhum significado. “9mm” foi uma série que fez sucesso de público (aumentou em muito audiência da Fox, por exemplo e foi sucesso no Japão) e crítica (entre outros prêmios ganhou o APCA de Melhor Teledramaturgia, concorrendo com toda a TV brasileira aberta e fechada), fazendo tragédia moderna na veia, sem concessão. A maioria dos episódios o criminoso não tem final feliz. O criminoso sequer é preso. Muitas vezes os policias sabem quem é, mas mesmo assim ele não é preso. Quando é preso revela-se outras circunstâncias que amenizam e que dividem a culpa com outros (que não são presos). Outras vezes é preso injustamente. A sensação da impossibilidade de efetivar justiça é permanente na série.


A escolha dos crimes
Os crimes foram escolhidos a partir de pesquisa de crimes reais e notórios. Nossa ideia sempre foi retrabalhar o conteúdo da imprensa marrom, mostrar a humanidade por trás de crimes horríveis. Mesmo o lado mau da humanidade, mas ainda assim, humanidade.
O interessante é que o crime era escolhido para o episódio para espelhar a curva dramática pessoal dos personagens. Cada crime serve para tematizar algum aspecto de alguns de nossos protagonistas. Ou seja, não escolhemos o crime e depois fazemos as curvas pessoais dos personagens. Foi ao contrário: primeiro fizemos as curvas pessoais dos personagens e depois escolhemos os crimes para espelhá-las. É por isso que “9mm” é mais uma série de personagens do que uma série de plot (usado aqui no sentido de linha do enredo). O plot do crime era apenas para gerar a lição que os personagens precisam ter.


É assim que:
  1. O primeiro episódio visa conquistar o público apresentando Horácio como um potente justiceiro. Para isso apresentamos um crime de pedofilia onde o chefe do esquema jamais seria preso. É Horácio quem faz justiça com as próprias mãos. E fica uma dica narrativa: se seu objetivo é construir um personagem forte faça ele surpreender o público. Explicando melhor: a surpresa é a técnica de roteiro oposta ao suspense. No suspense o público sabe mais que o personagem (a bomba debaixo da mesa que o personagem não vê, por exemplo). Na surpresa o personagem (e as vezes só o narrador) sabe mais que o público e segura o informação para surpreendê-lo. O personagem que você dá o direito de surpreender o público ganha grande poder no imaginário do espectador. É por exemplo o que faz Hannibal Lecter ser tão poderoso em Silêncio dos Inocentes: a mega surpresa de sua fuga. Consciente disso o episódio foi inteiro construído para que Horácio surpreendesse o público e ganhasse grande poder. Deu certo. Esse é de todos o episódio mais irregular da série. Mas o final funciona maravilhosamente e imediatamente repercutiu na audiência que instantes depois criou comunidades de fãs de Horácio nas redes sociais.
  2. O segundo episódio é o oposto complementar ao primeiro. No primeiro o criminoso é cruel e não tem como ser preso. Ele incita o surgimento do justiceiro. No segundo, os criminosos são culpados da morte, mas quase por acidente. No entanto, a imprensa faz uma mega campanha e os jovens criminosos são execrados publicamente. Eles são jovens, fracos e cagões. No primeiro episódio tínhamos raiva do potente criminoso. Nesse, chega a dar dó da fraqueza dos jovens assassinos. A questão do episódio é a paternidade e aprofundamos na relação de Horácio com seu enteado viciado em drogas. Ao mesmo tempo mostramos os pais dos jovens criminosos, lamentando o caminho dos filhos e com medo de seu espancamento público. Como é comum em “9mm”, não perdemos tempo sem saber quem é criminoso. O criminoso é mostrado ao público na primeira cena, a questão é como prendê-lo. No caso desse episódio a situação se complica pois o episódio é construído para humanizar os criminosos. Se o episódio anterior construiu um vilão indiscutível, cínico, potente e consciente, no segundo episódio é totalmente o oposto. O desfecho também é o posto complementar ao primeiro episódio. No primeiro episódio Horácio pega o assassino e o leva até um terreno baldio. Lá o assassina. No segundo Horácio pega o jovem bandido e também não o entrega a polícia. Horácio leva o garoto para o mesmo terreno onde assassinou o criminoso do primeiro episódio. É a mesma trilha sonora, o mesmo tom. Tudo indica que Horácio irá matar o garoto. No primeiro episódio o público torcia pela morte do bandido. Ele é, de todos os episódios de “9mm”, o que mais se aproxima da ideologia fascista do “fazer justiça com as próprias mãos”. Mas nesse segundo episódio o público não torce pelo extermínio do jovem. O público sabe que ele é bandido e deve ser preso, mas torce para ele sair vivo. Mas Horácio leva-o ao matadouro. E quando chega lá, ao invés de matá-lo, Horácio bota o garoto para se encontrar com seu pai, que já tinha sido apresentado no episódio. Horácio, também pai com filho envolvido no crime, entende muito bem aquele pai de família. E tudo que o pai diz ao filho é o que Horácio gostaria de dizer ao seu enteado. É uma situação espelho, recursos que utilizamos muito no decorrer do seriado.


3) O terceiro episódio é todo focado em maternidade. São mães defendendo seus filhos. A filha de Luisa é testemunha de um espancamento que termina em morte. A mãe do playboy assassino defende o filho. A mãe da vitima quer justiça. Luisa teme que a filha deponha e sofra alguma vingança posterior. 3P, em paralelo, se infiltra na Academia do Playboy e trava contato com esse universo. Isso revela o lado arrivista do 3P, sempre atrás de luxo e de amizade com milionários. Eduardo é pressionado pelo deputado pai de sua namorada para não investigar o playboy. O episódio é um grande painel de situações sobre o mesmo tema e no final o playboy não é mesmo preso. Falta de provas, esquema de poder injustos. 3P decide fazer justiça com as próprias mãos e propõe um duelo ao playboy. Se a justiça não rola na lei, ela vai rolar nos punhos. O playboy aceita. 3P pode agora fazer justiça. A luta começa. Mas 3P toma uma mega surra e o playboy conclui: “Eu sou o mais forte”, título do episódio. Isso é tragédia moderna. Isso deixa o público sem ter a consolação do final que ele esperava. E mais uma vez o crime foi escolhido para apresentar melhor nossos protagonistas, no caso a questão da maternidade de Luisa e o lado arrivista (interesseiro) de 3P.

4) O quarto episódio é o fim da primeira temporada, que teve apenas 4 episódios. Como bom final os conflitos chegam no clímax. Eduardo tem que resolver uma chacina em 24 horas ou pode ser punido. Mas o grupo se dissolve por completo e cada investigador, ao invés de ajudar Eduardo, segue seu próprio conflito. Luisa persegue Horácio para incriminá-lo pelo crime do primeiro episódio. Tavares tem medo de investigar na periferia pois pode ter represálias. E realmente teve. Tavares é baleado e termina a temporada paralítico. Eduardo não tem como resolver o crime até que é colocado numa Limosine e um homem sem nome (o Homem X) que explica todo o contexto político. Aquele não é um pequeno crime, é algo que envolve a política municipal de transportes. É um jogo maior que o dele. Ele quer realmente tomar partido contra o poder? Eduardo fica sem palavras. É um choque. Mas o Homem X já tem a solução forjada pronta para entregar a Eduardo, que se salva de ser demitido mas vira cúmplice da conspiração. Dessa forma, ele é iniciado na maldade e obrigado a compactuar com os policiais corruptos. O episódio é inspirado na estrutura dramática de Agenda Secreta, thriller político de Ken Loach que tem um desfecho parecido. O policial começa arrogante e super poderoso, achando que vai desvendar um assassinato. E acaba entendendo que por trás daquilo existe um jogo político muito maior. O enredo sai do crime privado e chega a esfera pública. O final dessa primeira temporada é mega pessimista. Tavares termina paralítico, Luisa não consegue fazer justiça e Eduardo é obrigado a se envolver nos grandes esquemas. O interessante é que, mesmo tão pessimista e acredito que justamente por isso, a série foi um sucesso de audiência e crítica. Não que seja necessário todas as séries do mundo serem pessimistas. Era a fórmula de 9mm. Mas é importante dizer que essa fórmula também pode funcionar e conquistar o público.




Do drama individual a equação social coletiva


Os outros episódios, do 5 ao 13, seguem estratégias semelhantes. Luisa vai aos poucos entendendo melhor Horácio. Carente ela se apaixona por um policial militar que comandou um massacre e ele termina morto pela namorada. Introduzimos outros assuntos como a relação com a polícia militar, com a segurança privada, etc. Os conflitos vão se acentuando. Aparecem novos obsessores para nossos personagens. Eduardo e 3P são tentados pelo “mal”. Eduardo se relaciona com o promotor Caio Graco, um homem meio cínico, que procura auto-promoção, mas na prática defende teoricamente valores corretos. Eduardo fica entre o pai pobre e a beira da morte e a vida na elite que estão lhe propiciando. Para Horácio reaparece Ferreira seu antigo parceiro dos anos 70 que começa a reviver seu passado de torturador. Tudo isso vai confluindo numa trama que culmina com o ataque da Facção a SP – inspirado no ataque do PCC de 2006 - tema do décimo terceiro episódio, esse duplo.
Ou seja, a série foi aos poucos ampliando seu leque de assuntos e revelando toda a estrutura social que gera o sistema de segurança. Os assassinatos são utilizados para revelar problemas sociais do próprio sistema de segurança e a série se constitui num ambiente fechado que faz uma verdadeira equação social do ambiente da segurança pública paulista. A inspiração aqui é Wired (A Escuta), série que também constrói estruturas complexas e painéis sociais.


Do Realismo ao Naturalismo. Do Naturalismo ao Surrealismo


Foi fazendo a série que toda equipe de roteiristas, produtores, diretores, atores, técnicos e tudo mais foi descobrindo o estilo narrativo.
A série começou baseada em pesquisas e buscando o realismo. Aos poucos, no entanto, fomos condensando o roteiro em cenas mais curtas e ele foi se centrando em grandes dilemas éticos da polícia. As cenas foram ficando cada vez mais dramáticas e mais fortes. O estilo da interpretação foi criando vida própria e dando um tom além do que estava no roteiro. Era tudo muito intenso. Muito grito, muito toque físico, muito drama. Nos permitimos chegar a extremos de representação como a tortura exibida para um garoto apenas por sadismo. A câmera na mão e a iluminação estilizada também reforçavam esse tom mais expressionista. A série foi saindo do realismo e chegando ao naturalismo. E no episódio quatro, último episódio da primeira leva de gravação, chegamos num estilo que se aproximava de algo mais surreal.
O legal é perceber isso e teorizar. Ao teorizar conseguimos descobrir as regras da obra. Regras que não vieram de fora da obra. Regras que nós mesmos criamos ao fazer a obra. Vale explicar um pouco melhor.
No Brasil, não sei ao certo o porquê, o naturalismo foi associado ao estilo de direção das novelas da Globo. Não sei onde começou isso e isso não tem nada a ver com a definição teórica de naturalismo. Mas ok. Podemos até definir isso para uso nacional. Mas é importante ao menos saber que existe outra definição de naturalismo. Um artigo do Deleuze, em “A Imagem Movimento”, mostra as linhas do Naturalismo literário e sua relação com o cinema. Naturalismo é aquele estilo de drama que quase animaliza os homens, os mostram em conflitos muito tensos, em tom de tragédia, movido por medos primitivos, em espaços opressores. No Brasil temos romances como “A Carne” (Julio Ribeiro) e “O Cortiço” (Aluizio Azevedo). Internacionalmente o mais famoso é “Germinal” de Zola. Como mostra Deleuze, em cinema o Naturalismo dialoga com diretores como Erick von Stroheim e Luis Bunuel. E o mais interessante é que o Naturalismo, quando exacerbado, supera a representação do real e começa a entrar nos limites do transe, do surreal, do delírio. Bunuel é o melhor exemplo disso.
Quando reli esse artigo tive uma chave para entender melhor o trabalho que já vínhamos realizado em “9mm” e entender as regras que estávamos criando. “9mm” começou com pesquisa de realidade, mas foi gradativamente virando Naturalista pela exacerbação do drama e dos conflitos. E, aos poucos, o absurdo das situações foi permitindo a entrada de transes, delírios e de situações que beiram o teatro do absurdo. Em alguns episódios isso fica mais claro, como o episódio 4 (com o Doutor X), o episódio 5 (com delírios de Eduardo), o 12 (com a criança de rua que faz profecias e aparece em todos os lugares) e, obviamente, o episódio 13, construído inteiro como um grande pesadelo. Mas isso é uma constante em todos os episódios em maior ou menor grau. Lembro que nas reuniões criativas era comum alguém contar uma piada que todos riam por quebrar a lógica da série. Geralmente as pessoas descartam essa “piada” pois a série é um drama. Nós não. Começamos a usar como método tentar inserir a piada como drama para surpreender o público. “9mm” é uma série sem humor, não tem um momento para rir em toda a série. Adoramos humor, mas não era parte do projeto. Mas a série tem muitas situações inusitadas e que beiram o surreal, que foram criadas a partir de piadas da equipe criativa. Isso ajudava a chegar aos limites do realismo, flertando com o naturalismo e mesmo com a quebra de lógica típica do surrealismo.
O interessante de definir a linha estética da obra é que isso ajuda todos da equipe criativa a entenderem as “regras” do universo que estão criando e a ter ideias adequadas a ele.


Dilemas éticos e mapa de conflitos dos personagens


Para terminar vou listar um pouco mais dos dilemas da série e dos personagens. Voltamos assim ao enredo e entendemos melhor algumas situações. Para quem não viu a série, esses textos devem servir de sinopse, para quem viu (recomendo ver pois contarei o final de todos os episódios) esse resumo permite entender melhor a história e o processo criativo de um seriado. Muitos dos textos abaixo são resumos da Bíblia da série, documento de uso interno que usamos para orientar a criação dos roteiros. Acredito que a partir disso dá para entender melhor o mapa de personagens e os enredo que a série aborda.


Os dilemas dos personagens da série são principalmente dilemas éticos e são materializados na figura de personagens concretos. O dilema de 3P é materializado na oposição entre dois personagens, Mario e Tavares. O dilema de Eduardo está no conflito entre Adilson e Caio Graco. O de Horácio entre Gilson e Ferreira. E assim por diante. O que dá unidade a esse dilemas é grande tema da série: como, dentro de um contexto como o nosso, a polícia deve lidar com o criminoso? Qual é o limite ético? Esse dilema está presente em todos os personagens e situações e é expresso de diferentes formas. Alguns mais inexperientes aprendem a lidar com isso (como Luisa, Eduardo e 3P). E outros, mais experientes, lidam com seus “karmas” passados e servem de exemplo para os mais novos.


3P


Nos quatro primeiros episódios, 3P (Pedro Paulo Pacheco) é um policial novato, agressivo e honesto. Ele tem Tavares como contraponto mas, também, como mentor. Com Tavares, 3P vê, por exemplo, como um policial negocia com os bandidos. 3P se opõem a isso. Para 3P: “Nóis é policia” (título do quarto episódio). O mundo de 3P é maniqueísta, preto e branco. O de Tavares é mais complexo. Mas 3P também viu Tavares sofrer as consequências dessa fronteira moral, quando é baleado no episódio quatro. A partir do episódio cinco 3P conhece um novo estilo de policial. Acontece uma reaproximação entre ele e seu primo Mário, investigador do Denarc. Mário é um policial que odeia a Facção, mas que acaba fazendo inúmeros acertos com os bandidos. A lógica dele é explorar ao máximo os “trutas”. Quer mais é aproveitar, “que tudo se exploda”. Tem uma energia meio anarquista e destrutiva. O que aproxima 3P de Mário é o status. Devido ao modo que Mário trabalha, ele consegue manter um padrão de vida fora do comum para um investigador da civil. 3P, inconsequente, acompanha os esquemas do primo, mesmo sem “vocação” para a coisa. Junto com Mario, 3P parte para a galinhagem. Mas Mario vai radicalizando e sua relação tensa com a Facção terminará no grande conflito do décimo terceiro episódio, claramente inspirado em ataques do PCC. Agora 3P, para evitar uma imensa tragédia , terá que trair o primo.
Ao final 3P aprenderá os perigos de se envolver com um policial como Mario e testará seus limites éticos. Ele perceberá que não é como Mario. Ao mesmo tempo entenderá um pouco melhor a posição de Tavares, e a “necessidade” que ele sempre se manifestou de, as vezes, negociar com a Facção.


Eduardo


O dilema de 3P espelha o dilema de Eduardo, de outra forma e em outro tom, mas com alguns problemas éticos parecidos. Como já dissemos estão todos unidos no debate sobre os limites éticos da atuação da policia.


Na equação dramática de Eduardo, Caio Graco faz o papel que, na história de 3P, é do Mario. Já Tavares é substituído por Adilson, o agente penitenciário amigo do pai de Eduardo e veterano da policia. Adilson é figura chave pois é um homem de princípios rígidos, mas que tem acesso direto aos bandidos da Facção no presidio. Já Caio é a “obsessão” de Eduardo, tal como Mario é a obsessão de 3P. Caio é o protótipo do homem que Eduardo acha que gostaria de ser. E Caio adora inflar o ego de Eduardo para captá-lo para suas atividades. Muitas vezes indo contra sua própria equipe e investigando seus próprios investigadores. Mario, para 3P, também é o homem que ele acha que gostaria de ser. Ambos, são os FALSOS MENTORES de nossos protagonistas. Além disso, Mario e Caio, defendem o desrespeito pela Facção e a divisão clara entre policias e bandidos. Eduardo e 3P concordam com eles. O aprendizado deles é perceber que o mundo não é tão maniqueísta e nem sempre o policial é o mocinho da história. Tavares e Adilson são o pólo oposto e são os VERDADEIROS MENTORES de nossos personagens. Tavares e Adilson, mais experientes, ensinam a 3P e Eduardo como eles podem ser policiais éticos num mundo onde o bem e o mal não são assim tão “claro e escuro”. Apesar disso, é interessante destacar que mesmo os mentores tem ambigüidades morais pois são estranhamente próximos dos membros da Facção, fato que assusta 3P e Eduardo. Esse é, na verdade, a grande característica da série: superar o maniqueísmo e se aprofundar na complexidade das situações, mostrando que é necessário avaliar caso a caso.
Eduardo também vai se humanizando no transcorrer da série. Ele que era um delegado negro em ascensão, que namorava a filha de um deputado, começará a aceitar suas “limitações de classe”.
A partir do quinto episódio Eduardo começa um processo de piração egocêntrica. Contrapondo-se a isso aparece a figura de seu pai, que incorpora tudo que ele não quer, o policial fracassado e alcóolatra. Ele terá que lidar com isso e entender os motivos de seu pai. Ele descobrirá a ética do pai e entenderá melhor seus passado e sua origem.


Tavares


Tavares é o policial nascido e criado na periferia. Tem muitos amigos que seguiram para o crime e ele optou por outro caminho. Sua vida é a política do crime e ele vive o tempo todo na fronteira.


Nos quatro primeiro episódios ele é ele quem resolve muitos crimes, devido à sua rede de informantes. Investigação no Brasil não é CSI, é informante! O crime tem sua rede e quem tem acesso a ela desvenda os fatos. Tavares tem acesso, mas usa com parcimônia. Pois sabe o risco disso.
Seu parceiro mais frequênte é 3P. Tavares atua como mentor para o “garoto”, mas um mentor de “realidade”. Mostra como negociar, mostra a hora certa de fugir, mostra a hora certa de não agir. Tanto que não queria agir no quarto episódio. Pediu insistentemente para Eduardo ser liberado da investigação pois a chacina era em seu bairro e ele conhecia o pessoal da Facção. Eduardo não o liberou e ele terminou baleado e inválido.
No quinto episódio Tavares está na merda: temporariamente inválido, recebendo menos e sem trabalhar. Desempregado e se sentindo, abandonado, Tavares consegue emprego com Pompeu numa empresa de segurança privada. Lá será testemunha de um crime contra moradores de rua e fica no dilema ético de como lidar com isso. Denunciar ao não seu chefe e protetor? Ao mesmo tempo Tavares quer vingança e volta a negociar com a Facção para salvar seu amigo 3P, reassumindo seu papel de mentor.
Com o personagem de Tavares entramos também no cotidiano dos policiais vítimas de tiros e afastados da corporação.


Horácio


Se 3P faz dupla com Tavares, Horácio faz dupla com Luisa. Mas uma dupla mega tensa e que chega aos limites do conflito.
O conflito de Horácio pode se resumir na oposição entre Gilson e Ferreira. Gilson é o futuro que Horácio gostaria de construir. Ferreira é o passado que Horácio quer esquecer. A trajetória de Horácio gravita entre esses dois pólos. A relação de Horácio e Gilson tematiza uma questão cara a policiais: a herança. A passagem de pai para filho (ou de um policial mais velho para o mais novo) do trabalho policial, a noção de que este trabalho é uma arte para poucos. Assim Gilson passa a ser um aprendiz informal de Horácio. Este lhe ensina os macetes, as gírias, os procedimentos. Ensina até a atirar.
Mas Horácio quer que Gilson seja o bom aluno que ele mesmo não foi. Ele não quer mostrar a Gilson os “esqueletos” de seu passado. Mas esses esqueletos vão se materializar na figura de Ferreira.
Ferreira, velho parceiro de Horácio, começa a disputar com Horácio a atenção de Gilson. Ferreira é um antigo torturador do DOI-CODI, atualmente um delegado de bairro e gerente de um esquema de extorsão de traficantes da Cracolândia. Horácio foi o parceiro que Ferreira sempre quis ter. Juntos, barbarizaram nos porões do regime militar, torturando presos políticos. Mas o tempo passou e Horácio fez questão de se afastar de Ferreira. Atormentado por culpas, Horácio evitou por anos reencontrar Ferreira. E cada um seguiu sua vida, vendo-se vez ou outra, mas sem muita proximidade.
Mas agora o pessoal da corregedoria e promotoria está remexendo os ossos e investigando o passado. Ferreira ressurge na vida de Horácio e não quer deixá-lo esquecer o passado. Para isso Ferreira se aproxima de Gilson e começa a ensiná-lo como funciona a “verdadeira polícia”, a polícia da velha guarda. Até que Gilson se torna uma importante testemunha de um assassinato na Cracolândia, no episódio onze que levará ao desfecho da situação de tensão entre Horácio e Ferreira. Ferreira, incorporado na loucura da maldade, acaba obrigando pai e filho a assistirem a tortura de um jovem, tal como na época do Doi-Codi. Ferreira provoca Horácio, perguntando se ainda lembra o prazer que dá torturar alguém. A cena termina quando Ferreira extrai do torturado o nome do assassino. Gilson e Horácio são liberados, desconsolados. E Gilson foi iniciado na visão da maldade.
O curioso é que, no desfecho, descobrimos ainda alguma ética em Ferreira. Uma ética distorcida (pelo nosso ponto de vista de defensores dos direitos humanos), mas uma regra de conduta que ele considera ética. O interessante do mundo é que todo vilão acredita ter sua ética. No caso de Ferreira ele terá a chance de matar Horácio, mas afirma que não mata e não denuncia policiais. Mesmo policiais traidores. Ele se considera parte de uma tribo unida e realmente jamais faria isso.
Esse tipo de defesa de éticas distorcidas é uma constante em “9mm”. Sempre buscamos a ética do personagem. Isso tinha desde o início em Horácio, mas terá até mesmo em Ferreira (o mais próximo de um vilão clássico que a série construiu). Um outro exemplo de ética amalucada é quando Horácio se diferencia do esquadrão da morte afirmando que ele também executa bandido, mas “não vive disso”. Na ética de Horácio matar um bandido é ético, mas é anti-ético receber dinheiro por isso. Esse tipo de “ética” foi descoberta na pesquisa e orientou toda a escrita do roteiro. Acredito que é esse reconhecimento da “normalidade da loucura” que faz com que uma obra supere o maniqueísmo.




Luisa


A grande questão de Luisa é a justiça. E nessa temporada ela prossegue com esta questão, mas agora aprendendo sobre as diferenças da polícia que ela almeja (ancorada profundamente nos direitos humanos) e da polícia que existe hoje (heterogênea e mais complexa do que ela pode supor). Sobre a definição do que é e de como se deve fazer justiça.
Esta sede por uma polícia supostamente mais justa colocou Luisa, nos quatro primeiro episódios, contra Horácio e fez ela se aliar à corregedora Paula. Tal como Paula, Luisa também partiu para caçar o policial que julgavam inadequado (corrupto, torturador). Contudo, novos fatos irão fazer esta situação praticamente se inverter entre o episódio cinco e treze.
Sua paixão pelo Peixoto (policial militar livremente inspirado na figura do Coronel Ubiratan) mostrará a ela outros lados da polícia. Peixoto tem fama de colecionador de inimigos e de matador, comandante de um massacre de presos. Para Luisa, o nome de Peixoto está associado a tudo aquilo contra o que ela luta dentro da polícia. Mas Peixoto, com seu estilo sedutor, vai enxergar a solidão de Luisa e se aproximar dela.
A resistência dela irá ceder quando Peixoto mostrar o outro lado da moeda. Ele também revela sua ética. Ajuda Luisa a investigar um grupo de extermínio composto por policias militares. Luisa perceberá como Peixoto (o mentor do massacre de presos) é diferente dos policias exterminadores. Peixoto explica que ele, antes de tudo, é um militar legalista, que apenas cumpriu ordens do governador, e não sentiu prazer algum em matar aqueles homens. Mas é totalmente contra grupos de extermínio e quer que a polícia cumpra as leis. O mundo é mais complexo do que Luisa podia supor e há muitos tons de cinza antes de chegar ao negro completo do suposto vilão.
Aos poucos Luisa “identificará” Peixoto em Horácio. Tanto que, quando se apaixona por Peixoto, ela fica mais tolerante com Horácio. Ela se aproxima do colega de equipe e chega a conhecer Gilson. Agora os dois enxergam o que tem em comum: ambos tem filhos e se preocupam com sua família. Luisa começa a entender que, por trás do matador que ela persegue, há um pai preocupado com os filhos. Mais tons de cinza para Luisa lidar.
A aproximação definitiva entre ambos chega num momento crítico para Horácio. Paula procura Luisa para novamente ajudá-la, mas agora no caso da Cracolândia, que pode comprometer Gilson, filho de Horácio. Mas Luisa desta vez não irá ajudar Paula. Ela começa a investigação ao lado de Horácio e irá nesse caminho perceber a diferença entre Horácio e os policiais corruptos da Cracolândia. Pois Horácio, mesmo duro e violento, é honesto. Não faz acerto. É digno. E apenas age – inclusive mata - quando considera que é justo e necessário. Em todos esses aspectos, ele é diferente dos policiais corruptos da Cracolândia. Assim, nesse episódio, ela entenderá melhor Horácio. Até que no clímax, quando Eduardo, Caio e Paula querem identificar Gilson como testemunha de um crime, Luisa finge não o conhecer. Ela salva o enteado de Horácio. Tal como Horácio salvou Dani, sua filha, no terceiro episódio. Finalmente eles parecem se entender e trocam agradecimentos, cada um à sua maneira. No final da temporada, Luisa entenderá que o que ela chama de justiça não é tão simples quanto imaginava inicialmente.


Conclusão


Espero ter contribuído para dar uma ideia dos temas que perpassam a criação de um seriado. Para concluir, acho importante enfatizar o que deve ter ficado obvio: tão importante quanto o conhecimento do roteiro é conhecer a realidade retratada. Para criar essa série passamos dez meses entrevistando - e passeando, vivendo, bebendo – com pessoas do ambiente da segurança de do crime. Foram policiais, promotores, criminosos e vitimas. Também lemos muito, toda a bibliografia que encontramos sobre polícia. Ler é importante para preparar o contato concreto da pesquisa, ajuda a entender o pensamento do grupo que você quer aproximar.
Por outro lado, também ficou claro que a pesquisa não é para ser “realista”. Realismo é um procedimento literário que pode ou não ser utilizado e cuja definição varia conforme a época. Pesquisamos a realidade, pois ela é mais surrealista do que nossa pouca imaginação. Sem pesquisa faríamos apenas o clichê do filme de gênero. É a pesquisa que nos permite reinventar o gênero. Mas sem o estudo do gênero a pesquisa não tem forma dramática e aí também não resulta. No processo de criação a pesquisa e os personagens reais são colocados em tensão com as formas dramáticas dadas pelos gêneros (policial, tragédia moderna, etc.) e pelos estilos (realismo, naturalismo, surrealismo, etc.). É dessa tensão permanente que vai surgindo a obra artística. Isso é feito em todos estágios, desde o roteiro até o corte final. A unidade da obra depende desse diálogo entre a equipe que definirá o tom da série.